quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher: dia de Alines, Frans, Priscilas, Andressas, Fabianas...


... e tantas outras: Márcias (uma delas faz aniversário hoje), Danielas, Wendys, Karinas, Susanas, Tatianes, Marias, Déboras, Daianes, Lorraines, Mar Sellys, Taíses, Letícias, Anas, Brendas, Elaines.

Sabem por que hoje é o Dia da Mulher?

Porque algumas guerreiras, há um século e meio, lutaram por vocês.

Era dia 08 de março de 1857. Uma Nova York que ainda nem chegava aos pés da pós-modernidade de hoje. Trabalhadoras de uma fábrica de tecidos fizeram uma grande greve. As reinvidicações eram mais que justas: redução de jornada de 16 para 10 horas diárias, equiparação dos salários (as mulheres ganhavam um terço dos homens) e tratamento digno no ambiente de trabalho.

Foi um ousado movimento, com as tecelãs ocupando a fábrica. Não era como hoje, que há o direito de greve. E, dentro do universo extremamente machista à época, uma demonstração de coragem.

Mas os crueis patrões, interessados apenas no lucro e pouco se importando com as mulheres que lhes enriqueciam, ordenaram a repressão violenta da manifestação. As forças policiais encurralaram as moças dentro da fábrica, trancando-as em um galpão. Como se não bastasse, os homens incendiaram o local, num ato de total crueldade. 130 tecelãs morreram carbonizadas!

O ato jamais foi esquecido. Porém, somente em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, o 08 de março foi aclamado como Dia Internacional da Mulher. E somente em 1975, mais de um século depois, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas).

O que mudou de 1857 para 2012? Muitas coisas evoluíram, outras não como seria justo. Fato que, graças à luta de muitas feministas nesses 155 anos, a mulher ganhou espaço. Pôde ter sua independência, estudar, votar, comandar empresas e países.

E, também, pôde praticar esportes. Correndo, saltando e jogando bola, derrubou muitos machistas. Exemplo? O 'nobre' barao de Coubertin, criador da versão moderna da Olimpíada, abominava a participação feminina, não permitindo a presença das mulheres nos jogos inaugurais de Atenas, em 1896. Acabou derrotado tanto que, na Olimpíada de Amsterdã, em 1928, demitiu-se do cargo de presidente de honra do Comitê Olímpico Internacional (COI), alegando que o ideal olímpico havia sido traído ao ser permitida a participação feminina.

No Brasil, a mulher que joga futebol enfrentou um duro desafio. Através de um Decreto-Lei de 1941, era vetada às mulheres "a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza", especialmente o futebol. Ainda mais que tal decreto foi motivado por uma carta de um cidadão ao então presidente Getúlio Vargas, manifestando-se contra a categoria feminina neste esporte.

A proibição só caiu em 1979 e a liberação somente veio, de fato, no início dos anos 80. Foi então que começaram os campeonatos, tanto de campo quanto de salão. O primeiro de futsal feminino, em São Paulo, foi o Metropolitano de 1982, vencido pela Lacta Clube e tendo o Transvira como vice. No mesmo ano, no interior paulista, uma equipe mantida pela Usina Martinópolis de Açúcar e Álcool, chamada Garotas de Ouro, iniciou os trabalhos no campo. Um ano depois, o Guarani de Campinas montou um time feminino nos gramados. Paralelamente, muitas outras equipes eram criadas - algumas sem registro histórico, mas importantes para este recomeço da modalidade.

Bom, depois disso, nem precisamos detalhar muito. O Brasil participa dos mundiais da FIFA desde o primeiro, em 1991, sempre está nos Jogos Olímpicos, passou a ter campeonatos estaduais, copas nacionais e dois grandes nomes com a 10 da amarelinha, aclamados por público e imprensa: Sissi e Marta. O futsal também cresceu com estaduais, a primeira Taça Brasil em 1992, a Liga Futsal em 2005 e vitórias em competições internacionais.

Mas, voltemos no "um terço" do salário masculino, o valor que as mulheres ganhavam em 1857. Bem, no futebol e futsal feminino, infelizmente, ainda vivemos essa realidade. Aliás, bem menos de um terço, se comparado aos milhares de reais do futsal e dos milhões do futebol masculino. Dizem que o salário feminino de futsal mais alto no Brasil chega a R$ 2.500. Marta receberá 1 milhão de euros por temporada no Tyresö da Suécia.

É pouco. A maioria das jogadoras brasileiras ganha menos de salário mínimo, enquanto que os homens ganham para jogar profissionalmente nos gramados, no mínimo, R$ 2.500 - atuando até em campeonatos de segunda e terceira divisão nos Estados. Fora os 15 milhões de reais para trazer Jadson ao São Paulo, os 3 milhões mensais de Neymar no Santos, mais os 6 milhões anuais por Adriano no Corinthians...

Hoje, as manifestações não são mais reprimidas a fogo, como em 1857, e o Brasil tem uma presidenta. Só que, no nosso esporte, as mulheres continuam a ser bem menos que "um terço" dos homens.

Então, que continuemos com muitas Márcias, Danielas, Wendys, Karinas, Susanas, Tatianes, Marias, Déboras, Daianes, Lorraines, Mar Sellys, Taíses, Letícias, Anas, Brendas, Elaines, Alines, Frans, Priscilas, Andressas, Fabianas e tantas outras, Que tenhamos clubes femininos, dirigidos dentro e fora de quadra/campo por mulheres, como a ACE Kurdana, de Cotia. Que até tenhamos homens, que gostem e apoiem as mulheres jogando futebol, como Danieis, Ricardos, Rogers e outros, ao invés de aproveitadores (prefiro nem falar o nome de muitos que conheço).

Que as mulheres que jogam futebol e futsal ganhem espaço na mídia. Até porque elas já ganham títulos e estão sempre entre as melhores do mundo. Além da Marta cinco vezes vencedora da Bola de Ouro da FIFA, temos o futsal com TODOS os títulos internacionais de seleções, disputados até o momento, ganhos (dois mundiais adultos, dois universitários e quatro sul-americanos). Fora as duas atletas brazucas já consideradas melhores do mundo, somando três conquistas.

Que sejam Imperadoras, Rainhas, Fenômenos, Mulheres-Gol, Magas, Predestinadas. Que passem a ter o devido valor. Que as Márcias, Danielas, Wendys, Karinas, Susanas, Tatianes, Marias, Déboras, Daianes, Lorraines, Mar Sellys, Taíses, Letícias, Anas, Brendas, Elaines, Alines, Frans, Priscilas, Andressas, Fabianas e tantas outras tenham mais que a admiração de familiares, amigos e vizinhos. Não precisam ser milionárias, mas que possam comprar uma casa, ter mais que uma bicicleta e que sejam vistas por um grande público, com um Ibope maior que os 0x0 feios dos 'machões' da bola.

Porque aquelas guerreiras lutaram pelas mulheres em 1857.

E as guerreiras da bola, em 2012, lutam pelas mulheres que jogam futebol.

Para que não demore tantos anos em vermos, frequentemente, um estádio ou ginásio lotado aplaudindo e torcendo por uma equipe feminina. Para que as atletas tenham condições dignas de trabalhar dentro do futebol e futsal. Para que a mulher dessas modalidades possa ser vista, acima de tudo, como MULHER: vitoriosa na vida e sem a qual o mundo não tem a mínima graça. Bela no rosto, na pele, na unha, no cabelo... E no 'rolinho', no chapéu, no golaço de letra, no lançamento perfeito!


Ricardo Silva é assessor de imprensa e fotógrafo especializado em futsal feminino desde 2007; acompanha o futebol feminino desde o Sul-Americano de 1991 e o futsal feminino desde o Paulista do Interior de 2005.